segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Velei-me Deus, é o fim do nosso amor.

Lembro bem do filme "Flordelis- basta uma palavra pra mudar", lançado em 2009. Ainda devo ter uma cópia dele em casa.

O filme, não se enganem, é ruim! Mal produzido, mal escrito, mal interpretado, mal dirigido.

Os 28 atores globais da época, que aceitaram participar do filme sem receberem cachês, queriam contribuir com a divulgação da história real da moça em questão, famosa no Rio de Janeiro. E para além do filme ruim, a história contada impressionava mesmo!

Missionária evangélica, sua condição de vulnerabilidade econômica não foi suficiente para que Flordelis desenvolvesse um ousado trabalho em favor de crianças e adolescentes das comunidades onde ela vivia e transitava, ajudando muitos deles a saírem do submundo das drogas e da prostituição. E ela começou esse trabalho com 15 anos de idade.

Pregava em presídios, pregava entre entre traficantes, salvou vários jovens da execução eminente pelas milícias ou tráfico, chegando a abrigar cem crianças em uma humilde casa. Depois, se tornou cantora gospel, dando seguimento ao talento descoberto no coral da igreja que frequentavam (dizem, pois eu mesmo nunca ouvi essa moça cantar). Mais tarde se tornou deputada estadual. Quando se casou com o pastor Anderson do Carmo, tiveram 4 filhos biológicos e outros 51 adotados.

Cinquenta e um!

Não sei como tudo veio desandar na vida dessa mulher. A morte do marido parece ter sido engendrada com bastante antecedência, cuja trama é bem complexa para entender, envolvendo relações extraconjugais e descontentamento com a forma como o pastor controlava as finanças da família- tanto que há indícios de 11 filhos envolvidos no assassinato, com os quais ela trocou várias mensagens com o intuito de planejar o assassinato (foram 4 tentativas, ao que tudo indica). Em uma das mensagens, Flordelis diz:

"Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus".

Ela então resolve matar. Ou seja, nessa lógica enviesada, o homicídio escandalizaria menos...

domingo, 30 de agosto de 2020

Chadwick Boseman, para além do Pantera Negra

Q
Quem conhece a carreira do ousado diretor Spike Lee sabe que ele não escolhe qualquer um para os filmes que dirige. As questões raciais são bem presentes, mas há outros temas relevantes na obra desse diretor. Indico, por exemplo, Makcom X, O Milagre De Santa Ana, Um Plano Perfeito e A Última Noite.

Seu último filme é Destacamento Blood, que foi lançado há dois meses na Netflix e tem uma história curiosa de bastidor. Desde 2016 estava na agenda de Oliver Stone, outro mago da direção, a história de veteranos do exército americano na guerra do Vietnã, que resolvem voltar para buscar os restos mortais de seu comandante e um tesouro que enterraram no local durante a guerra.

Depois que Oliver desistiu do filme, Spike Lee deu uma repaginada no projeto, que conta a mesma história, mas sob o ponto de vista das questões raciais. Um filme que endossa a recente onda de protestos anti-racistas nos EUA, com aprovação de crítica e de público.

O filme Destacamento Blood ficará marcado por ser o último trabalho finalizado de Chadwick Boseman, cuja notícia de sua morte ontem surpreendeu os nerds de plantão!

Eu sou fã dos filmes Marvel. Assisto todos. No cinema, faço questão.

Chadwick Boseman foi aclamado pelo papel do Pantera Negra, de longe um dos melhores filmes da Marvel, onde atores negros têm vez como protagonistas empodeirados, sem discursos raciais rasos, num roteiro que privilegia inspirações das culturas negras em sua trilha, seu figurino, seu cenário, técnicas de combate e iniciações em tradições afrotribais.

Embora outros atores negros tenham destaque respeitosos, Chadwick se tornou a cara do projeto Pantera Negra, com aprovação dos fãs e da crítica. Minha inclusive. Considerando que é um filme de super-herói, Disney/Marvel acertaram de longe aqui! Mas o ator não chegou à toa nesse projeto.

Pouco conhecido no Brasil antes de Pantera Negra, Chadwick esteve envolvido em outros projetos que tratam de temas relevantes, tendo o racismo como fio condutor.

Chadwick viveu Jackie Robinson no filme 42- A História de Uma Lenda, que conta a história do primeiro negro a jogar a principal divisão da liga americana de basebol. Este filme é de 2013 e não passou nos cinemas brasileiros. Chadwick viveu James Brown no filme Get UP On- A História de James Brown, que conta a história de um dos maiores artistas de todos os tempos, mas sem o mesmo empenho da Imagine e Universal, produtora e distribuidora, em promoverem o filme, que também é de 2013, como fizeram recentemente com os filmes de Freddy Mercury e Elton John.

Outro filme que ele fez foi Marshall, em 2017, que conta a história do primeiro negro a se tornar juiz na suprema corte americana. Foi lançado nos cinemas americanos e canadenses.

Todos esses trabalhos são anteriores à Pantera Negra. Chadwick também fez vários filmes de ação, quase todos sem lançamento no Brasil. Escreveu, produziu e dirigiu peças de teatro e ganhou diversos prêmios na área.

Em 2003 ele ganhou o papel numa novela, mas foi demitido após expressar preocupações aos produtores sobre estereótipos racistas no roteiro. Muitos ativistas no combate ao racismo manifestaram admiração pelos esforços que Chadwick fazia para endossar a causa. O ator se tornou um exemplo de talento que não esqueceu suas raízes mesmo depois de ficar famoso.

John Legend escreveu: "Ele sempre pareceu carregar nossos ancestrais com ele". O filho mais velho de Martin Luther King disse que Chadwick "trouxe história à vida ao interpretar homens negros proeminentes".

Pessoas do círculo de relações de Chadwick sempre ressaltaram sua gentileza e simpatia. Desde que descobriu seu câncer no cólon em 2016 para cá, não parou de trabalhar e fez diversos filmes que exigiam muito de sua forma física. Ele tinha 43 anos.

Tom Holland, parece ter resumido bem ontem no Twitter sobre o ator: "Chadwick era ainda mais herói fora das telas."

2020 tá foda de suportar!

Velei-me Deus, é o fim do nosso amor.

Lembro bem do filme "Flordelis- basta uma palavra pra mudar", lançado em 2009. Ainda devo ter uma cópia dele em casa. ...